sábado, março 28, 2009

Alfonsina y el mar



Alfonsina Storni é uma poeta (ou poetisa) argentina, da qual passo a referir alguns aspectos biográficos, encontrados na Wikipédia.

Trabalhou para o sustento da família como costureira, operária, atriz e professora. Suicidou-se entrando no mar. Tinha 46 anos

Em 1938, três dias antes de se suicidar, envia de um hotel de Mar del Plata para um jornal, o soneto “Voy a Dormir”. Consta que se suicidou andando para dentro do mar.

Félix Luna e Ariel Ramírez escreveram a belíssima canção "Alfonsina y el mar", gravada por Mercedes Sosa; Muitos cantores cantaram este tema, o que pode ser encontrado


É só escolher, ou ouvir todos. Não é conhecido em Portugal, mas deveria ser. Creio que é um tango. É incrível como nós ignoramos regiamente a cultura de expressão espanhola, quando todos nós entendemos espanhol na perfeição e falamos bem, se quisermos! É das coisas mais lindas que tenho ouvido e lido e que não paro de repetir. Dá para abrir numa janela o youtube e na outra a letra e ir alternado.
Quanto à letra, é esta. Eu adoro cantar. Sabiam?


Alfonsina y el mar

Por la blanda arena que lame el mar
su pequeña huella no vuelve más,
un sendero solo de pena y silencio llegó
hasta el agua profunda.
Un sendero solo de penas mudas llegó
hasta la espuma.

Sabe Dios que angustia te acompañó
qué dolores viejos calló tu voz
para recostarte arrullada en el canto
de las caracolas marinas.
La canción que canta en el fondo oscuro del mar
la caracola.

Te vas Alfonsina con tu soledad,
qué poemas nuevos fuiste a buscar?
Una voz antigua de viento y de sal
te requiebra el alma y la está llevando
y te vas hacia allá como en sueños,
dormida, Alfonsina, vestida de mar.

Cinco sirenitas te llevarán
por caminos de algas y de coral
y fosforescentes caballos marinos harán
una ronda a tu lado.
Y los habitantes del agua van a jugar
pronto a tu lado.

Bájame la lámpara un poco más,
déjame que duerma nodriza en paz
y si llama él no le digas que estoy
dile que Alfonsina no vuelve.
Y si llama él no le digas nunca que estoy,
di que me he ido.

terça-feira, março 24, 2009

Blumen



Blumen quer dizer flores em alemão. Ver comentário aos dois últimos posts.
Flores para a minha nova amiga Ematejoca. Gosto muito de túlipas, mas estas são raiadas, ou talvez rajadas.
Os amigos antigos podem ser insubstituíveis. Na maior parte dos casos são insuportáveis, pertencem a uma época que já não existe, de que eles são os últimos abencerragens. E acham que nós estamos tão diferentes... mudámos. Não deveríamos ter mudado, para sua (deles) comodidade. Tudo mudou, mas nós não tínhamoso direito de ter mudado.

Ou então, são mesmo insubstituíveis. Porque se lembram do tempo em que nós nos lembrávamos de outras coisas... e porque conseguiram resistir à passagem das eras, sem ficarem para trás, nem ignorantes, nem parvos, nem repetitivos...

Viele weiße Blümen fur uns und fur Sie, Ematejoca

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sábado, março 21, 2009

Primavera

Apetece beijar as pétalas das flores como uma dádiva oferecida pelo tempo.
Tão suaves, tão macias, tão brancas, tão azuis ou vermelhas no calor que se adivinha
E que sejam bem-vindas as moscas!
E as flores aladas, sejam borboletas ou pássaros
E os pássaros desprovidos de asas, os grilos e as cigarras que hão-de anunciar o Verão

Agradeço às deusas fêmeas Ceres, Artemísia, Afrodie e Atena, agradeço aos deuses machos, Apolo, Diónisos, Cronos e a todos os deuses, agradeço ao deus único, talvez Alá ou Jeová
E a mim, e a ti, homem ou mulher, espírito capaz de vislumbrar a beleza, ser iluminado, ente capaz de entender este renascer constante da matéria, da luz e do sonho do espaço.

Graciete Nobre, 21 /3/2009

P.S.: Agradeço à Ematejoca o poema em comentário no post anterior e ter-me lembrado que a Primavera já tinha começado. Acho que pensei que era no dia 21 de Março... A minha professora de Ioga jurou-me que começou ontem, porque viu no borda D´Água... :)... ou mesmo :D...

quinta-feira, março 19, 2009

Amizade À Distância

Acabo de encontrar na net, com grande prazer, uma das minhas maiores e mais antigas amigas, cujo contacto tinha perdido, como aconteceu com dezenas de pessoas que eu considerava amigos, sobretudo por ter mudado de terra mais do que uma vez.
Contactei-a e fico a saber que ela tentou telefonar-me há 15 dias para uma casa onde já não vivo há oito anos e onde nem vive ninguém... não é giro?
Sempre me senti vocacionada para um tipo de relação que não existia no passado e que talvez ainda nem exista bem... enfim, sei que não fui formatada para me dar preferencialmente com os que estão à frente do meu nariz ou ao lado da minha porta. Como acontecia antigamente nas aldeias.
Como recentemente perdi uma grande amiga, por morte, é gratificante reencontrar uma das mais antigas. E talvez outras através dela.
Olá Clara! Repara no pormenor de que eu não disse o teu nome completo, nem a tua direcção, nem o teu número de telefone, etc. E talvez faltem vírgulas neste post. Um blogue não tem a verificação ortográfica de uma obra académica. LOL.
(É que esta minha amiga é tão antiga que ainda é contra a Internet.) Vocês acreditam que eu tenha vivido nesse tempo?!!!

domingo, março 15, 2009

Caos de deslumbramento

Esta frase é de Darwin

"O prazer que experimentamos em ocasiões como esta desorienta a mente - se o olhar tenta seguir o voo de uma borboleta garrida, fica entretanto preso numa qualquer árvore ou fruto estranhos, se observamos um insecto, a flor em que ele repousa consegue que dele nos esqueçamos ... a mente é um caos de deslumbramento."

No original:
"The delight one experiences in such times bewilders the mind - if the eye attempts to follow the flight of a gaudy butterfly it is arrested by some strange tree or fruit, if watching an insect, one forgets it in the strange flower it is crawling over... the mind is a chaos of delight."

Charles Darwin

sexta-feira, março 13, 2009

A Poesia

Durante vários anos, estudei literatura na universidade e nomeadamente poesia .
Mas estudar a poesia na universidade quer dizer dissecá-la, escalpelizá-la.
Mas para dissecar a poesia e escalpelizá-la,
É necessario, primeiro, assassiná-la.
Obviamente.

terça-feira, março 10, 2009

Memórias de Viagem (continuação 3)

Atika Elaji


Tenho tentado, por razões narrativas e estéticas, situar os acontecimentos desta viagem nas cidades e no tempo. Contudo, recordo particularmente o que se passou em Marrakech, talvez por ter ficado sozinha nessa cidade, ou, como dizem os americanos, avessos ao dramatismo, "by myself", ou seja, por mim mesma. Fiquei lá por mim mesma e portanto experienciei mais por mim mesma.

Um dia esqueci-me da chave do quarto dentro do quarto e disseram-me que batesse à porta porque estava lá a rapariga das limpezas.

A Elaji Atika, uma jovem muito bonita, abriu-me a porta e ficou muito tempo banzada a olhar para mim sem falar, mas com vontade de rir, como se tivesse visto um ET.

Resolvi falar com ela. Perguntou-me por que razão eu não tinha muitos embrulhos (em papel pardo, nem havia plásticos em Marrocos, isto foi há cerca de 20 anos) com muitos pratos de cobre e muitas bandejas de cobre e muitas coisas assim, como os outros turistas.

Respondi que não gosto de andar carregada e que também não gosto de ter muitas coisas inúteis. - Para que quero eu muitos embrulhos com muitos pratos de cobre e muitas bandejas de cobre e muitas coisas assim? - disse eu rindo. Ela falava francês muito bem e também se ria alegremente.

A seguir mostrou-se muito interessada pela cor da minha pele e quis ver tudo. Com razão: eu levava o braço direito castanho de ter ido no lugar do morto da furgoneta com o braço de fora da janela, o resto um pouco avermelhado do sol porque tínhamos tomado banho numa piscina durante o almoço, num restaurante para turistas em pleno deserto. Este momento de plenitude só será talvez ultrapassado quando eu tomar banho de noite, no mar ou no rio, debaixo de chuva torrencial, nos trópicos ou no equador. Alheia a estas sensações, mas notando as "discrepâncias", A Atika fez questão de ver a parte que não estava queimada pelo sol africano.

A propósito: só havia uma única estrada numa imensa planura castanha, vermelha e seca, mas, as poucas vezes que apareciam pessoas na berma, o motorista-guia fingia atirar a carrinha para cima delas, obrigando-as a fugir a sete pés. É assim que se vê quem manda!

Finalmente, a Atika acabou por me explicar que Alá quer dizer Deus em francês e que, portanto, o Deus dos católicos é Alá e Cristo também é Alá.

Fiquei muito mais descansada com esta explicação, claro, e durante vários anos trocámos correspondência. Ela dizia que se sentia muito orgulhosa por ter uma amiga francesa e convidava-me para ir com ela e com a família a uma festa especial, nas montanhas desérticas perto de Marrakech, ficando eu hospedada, desta vez, em casa dela, do pai e das duas esposas do pai, sendo uma delas a sua mãe.

Nunca cheguei a ir e acabámos a correspondência quando, na primeira guerra do golfo, foi anunciado que poderia haver ou vir a haver mísseis intercontinentais em Marrocos, apontados a Portugal.
Sabendo que o seu país não é uma democracia, achei que era melhor não lhe escrever para não lhe causar problemas.
Entretanto mudei de terra e de casa e ela, provavelmente também...

Ainda guardo as cartas que ela me escreveu, como gosto de guardar outras, dentro dum saco que fez outrora parte dos poucas coisas que levava quando mudava de casa e guardo mesmo só na memória a frase com que ela finalizava todas as missivas que me escrevia (traduzido do francês): - Desejo-lhe uma longa e feliz vida.
Por que razão dizemos nós feliz ano de 2009? Ou boas férias, ou bom fim-de-semana?
Poque só desejamos um nadinha de nada? E porque não:
Desejo-lhe uma longa vida e feliz.
A todos os que me lêem, é isso que desejo. Claro, como tenciono continuar a escrever, espero que vocês continuem a viver e a vir aqui. Desejo-vos a todos então, por oportunismo puro,
Uma longa vida e muito feliz!

domingo, março 08, 2009

Memórias de Viagem (continuação 2)

O guia, que era de Ceuta, tinha-nos avisado, logo no início, para termos cuidado com o dinheiro, pois podiam roubá-lo. Aconselhou a metê-lo nas meias, ou, melhor ainda, a entregar-lho, que ele levava-o numa pasta.

Como eu era a única pessoa que tinha comprado na agência hotéis de três estrelas, pela lógica só possível em certos países, juntaram-me com a única família que tinha comprado só hotéis de cinco estrelas. Era uma família luso-francesa, mulher portuguesa que tinha sido tradutora e agora era rica, marido francês rico e duas meninas, a viverem nas Antilhas, todos muito simpáticos, com quem fiz grande parte da viagem.

Por razões "lógicas", em vez de viajarmos no autopullman de luxo e ar condicionado em que iam todos os outros (tendo todos comprado hotéis de quatro estrelas), viajávamos numa forguneta com ventilação no tecto.

O ventilador do tecto estourou quando, no deserto, houve uma tempestade de areia, ou o que assim nos pareceu. A areia vermelha meteu-se no ventilador e, a partir daí, fomos a torrar todo o caminho, sufocados de areia vermelha no nariz e na garganta, até que eu me fartei e exigi ir no autopullman.

Em vez de guia, tínhamos um motorista da furgoneta, que nos explicava algumas coisas à sua maneira, falando espanhol, que me tratava por tu, por eu ir sozinha e que pretendia mandar em mim, pelo mesmo motivo.

Quando fiz ver à senhora que era inteiramente descabido eles viajarem numa carrinha sem ventilação, tendo pago muito mais dinheiro do que todos os que iam no autocarro de luxo, incluindo eu, que entretanto já me tinha mudado para lá, a senhora foi-se abaixo. Contou-me que o marido era filho de um homem muito rico, com uma personalidade fortíssima, que já teria feito cair o Carmo e a Trindade numa situação daquelas, mas que, por isso mesmo, estava sempre à espera que o pai decidisse tudo por ele, era incapaz de tomar uma atitude... enfim, era um bananas.

Quando chegámos a Meknes, fomos passear por umas praças largas, ao contrário das que tínhamos visto antes, pois esta era a cidade mais incaracterística de todas as que víramos até ali. Andavam mulheres de cara tapada com o véu roupas largas, que as faziam todas iguais, bem como crianças, a vender umas fitinhas para amarrar na cabeça. Serviam as fitinhas para enfeitar e também para impedir o suor de escorrer, o que era bom para quem ia na carrinha...

Vendiam outras coisitas, mas tudo muito barato e ainda deixavam mais barato se nós discutíssemos o preço. O lucro só podia ser ínfimo, a mão de obra grátis, o que enfatizava claramente a miséria em que viviam. Discutir o preço, naquelas circunstâncias, parecia-me um crime.

De dentro do autocarro, vimos um polícia tirar as fitinhas a um menino muito pequeno. Com uma mão agarrou-lhe nas duas e com a outra espancou-o com quanta força tinha. Não exagero nada ao dizer isto assim. Queríamos tirar fotografias, mas o guia avisou-nos de que iríamos presos se o fizéssemos.

Pouco depois saímos e andávamos por ali, cada um com uma garrafa de um litro e meio de água, que nos tinha sido recomendada, dado o enorme calor e a insuportável sede que gerava.

A meio do deserto tínhamos visto um homem com camelos, parámos e ele pediu água, que toda a gente lhe deu, simpáticamente.

Nesta terra havia um enorme tanque, que nos foi apresentado com sendo um grande e importante trabalho de engenharia, cheio de água imunda. Diziam eles, como ditado popular, que onde há água há beleza. A ideia é que surgem plantas por toda a parte e que as mulheres ficam bonitas quando estão lavadas.

A certa altura, uma criança pequena, um rapazinho, roubou a garrafa de água de uma respeitável senhora do nosso grupo. Pressuroso, o guia correu atrás dele, apanhou-o, tirou a água, usou o método de lhe agarrar com uma mão as duas mãos e de lhe bater com a outra. Fui também a correr ter com eles, libertei o miúdo, dei-lhe a minha garrafa de água e injuriei o guia em francês, espanhol inglês e português. É difícil discutir noutra língua, mas é mais fácil com os intérpretes.

Escusado será dizer que, antes deste meu gesto, estavam todos a aplaudir o guia, que assim nos livrava da tremenda ladroagem: a verdade é que não vimos outra ladroagem para além desta.
O pessoal já não gostava muito de mim, mas eu ainda gostava menos deles...
Entretanto, a criança fugiu espantada, agarrada à garrafa que tanto lhe custou a ganhar.

É claro que muitos deram o seu dinheiro a guardar a este guardião da ordem e do progresso. Eis senão quando, uma bela manhã (bela, porque eu trazia o meu dinheiro na carteira e a carteira ao ombro, como sempre), apareceu o sujeito com um ar transtornado e contou a seguinte história:

Estava no hotel, numa suite, quando lhe aparece um rapaz, dizendo ser de Ceuta e da sua família. Embora não o conhecesse, as famílias árabes são muito grandes e ele referiu vários parentes comuns. Estiveram, portanto, a beber.

Embora o álcool seja rigorosamente proibido e não seja vendido nos estabelecimentos marroquinos nem outros, dado não haver uma separação clara, nestes países, entre a lei civil e as leis religiosas, nos hotéis de luxo existe toda a espécie de bebidas caríssimas, destinadas a turistas, mas que eu bebi acompanhada por uns rapazes marroquinos, que tinham vivido em França e que conheci lá. Explicaram-me muitas coisas sobre o país, difíceis de entender para um não-árabe, incluindo a ideia, agora clara, de que eles desejam ter a sua cultura própria, que mal se distingue de tradições atrasadas e opressivas, nomeadamente para a mulher. Mas eles gostavam do rei e acreditavam que eles os conduziria para uma evolução na continuidade, na preservação da identidade árabe. Agora têm um novo rei e também gostam muito dele.

Continuando, enquanto eu confraternizava com os rapazes e o guia com o seu pseudo-parente, bebendo uns drinks ocidentais, a certa altura ele foi à casa-de-banho. Quando voltou, o "primo" tinha-lhe roubado a pasta, com todo o dinheiro para pagar os hotéis e a gasolina e mais o dinheiro que alguns viajantes lhe tinham confiado.

Toda a gente morreu de pena do herói, no fim deram-lhe uma gorjeta monumental, mas eu fiquei com a opinião que tinha desde o princípio.

Era do guia que precisávamos de nos proteger, mais do que de qualquer outra coisa. Era ele que nos incutia um medo constante, de modo a poder levar-nos às lojas caras onde tinha comissão. Se não acreditávamos nas balelas que nos contava a esse respeito, punha um ar de gozo e fingia que
estava a brincar. Mas não estava e quase todos acreditavam nele.
Tenho observado esta ingenuidade e esta dependência dos guias, nas viagens que tenho feito, mas jurei para nunca mais viajar em excursão, a não ser em pequenos percursos de um dia. Até agora, cumpri sempre o juramento.

(Talvez continue).

sábado, março 07, 2009

Memórias de Viagem (continuação)

No dia seguinte, estava eu assim tão bem dormida e satisfeita, quando o guia nos deixou numa rua pequena e estreita, de onde se via a esplendorosa e inacreditável praça central de mercado, que em árabe se diz "souk". Para além das coisas assombrosas que já referi, tem muitas tendinhas de artesanato e outros artefactos, que pelo menos são giras de ver, tudo com aqueles guarda-sóis de pano, ou mesmo só com um pano no chão.
Eu disse que ia lá, claro, e perguntei aos outros se queriam vir. Um homenzarrão, que conhecia bem uma minha tia, o que já tínhamos descoberto antes, disse logo que não ia, porque tinha medo de ser raptado.
De facto, dizia-se que uma mulher corria o risco de ser raptada em Marrocos e vendida para os haréns, daí o tal preço de uns quantos camelos que eles às vezes propunham a uma mulher para, alegadamente, a comprarem. Também tinha ouvido dizer que alguns homens não queriam ir a Marrocos com medo de perder a esposa, o que me pareceu pouco convincente. Mas aquele disse mesmo que receava que o raptassem a ele. Perguntei-lhe qual era a lógica da situação. Alto e forte como era, muito mais corpulento do que qualquer marroquino... e ainda para mais, nunca se ouviu dizer que raptassem homens...
- Apanham-me aí numa dessas ruelas estreitas, dão-me uma paulada na cabeça, eu caio logo desmaiado e eles arrastam-me por lá fora.
Este subtil argumento da paulada na cabeça convenceu todo o mundo, pelo que eu respondi que, nesse caso, ia sozinha e comecei a afastar-me.
Disse-me logo um senhor muito velhinho, magrinho e minúsculo, com uma voz fininha e vindo atrás de mim:
- Não pense que a vou deixar ir sozinha!
Já irritada, perguntei, mirando-o de alto a baixo:
- Como é que me vai impedir?
- Vou consigo!
- Então e a sua esposa?
- Ela também quer ir!
- A senhora quer ir?
- Claro!
E lá fomos, eu protegida por dois velhinhos tão frágeis que me sentia responsável por eles, pensando que devia protegê-los, sobretudo quando pegavam despreocupadamente na carteira para pagar qualquer coisa, como se estivéssemos aqui. Enquanto fui assim magra, nunca tive a noção de que não tinha força física, e a verdade é que nunca precisei dela.
Até hoje vi muitos exemplos de medo e de cobardia de homens, incluindo homenzarrões, mas aquela foi a primeira vez que ouvi um desses confessar um receio completamente infundado, sem pudor.
Foi dessa vez que vi um homem feiíssimo, como só vi em sítios destes e no Brasil (os chamados malandros), que tinha entre os olhos um escorpião, tão feio como ele, parecendo que o ia picar e cegar e matar...
Como sou muito sensível à beleza, aquilo horrorizou-me tanto como as serpentes encantadas me tinham encantado. Quando, no dia seguinte, as mesmas pessoas da véspera me perguntaram se dormi bem, respondi:
- Não preguei olho. Passei a noite a levantar os lençóis e o colchão à procura de escorpiões debaixo da cama.

quinta-feira, março 05, 2009

Memórias de Viagem




Lembrei-me disto agora, ao ler qualquer coisa do género num jornal.

A primeira vez que fui sozinha a Marrocos, ia integrada numa viagem de agência e portanto éramos muitas pessoas, quase todas portuguesas, mas que eu não conhecia. Como o guia passava todo o tempo a atirar-se a mim, punha-me sempre nos melhores hotéis, ou seja, naqueles onde ele próprio ficava, excepto em Marrakech e, claro, em Tânger, onde fiquei sozinha no hotel.

Em Marrakech passeámos num incrível mercado ao ar livre, acompanhados do tal guia.

Havia no mercado: encantadores de serpentes, encantadores de escorpiões (que horror!), dentistas com as dentaduras espalhadas pelo chão, contadores de histórias e músicos cegos. Dizem que cegavam os músicos, para eles poderrem tocar nos haréns sem verem as belas donas. Não sei se era melhor ou pior do que castrá-los, mas tudo isto nos parece invenção e mito. Nunca cheguei a saber se era verdade.

Sei que ninguém me ofereceu camelos, apenas me fizeram as vulgares propostas que faziam os portugueses e outros. Explicaram-me que isso dos camelos era uma brincadeira entre eles: gente da cidade há séculos que não usa camelos como moeda de troca, claro. Para que serve um camelo numa cidade moderna? Mas eles costumam propor casamento a uma mulher, oferecendo-lhe em troca (em troca de quê?) 20 ou 30 camelos. Enfim, gostam de dizer piropos e apreciam particularmente a pele muito branca.

Nessa noite, fomos a um sítio onde havia uns comeres e beberes e mais umas corridas de camelos e mais não sei quê, tudo para turistas...
Eu nessa época pesava 45 Kilos, medindo cerca de 1 metro e 70 cm, não se assustem com a fotografia. É uma foto do Sec. XX, uma época atrasada.
Mesmo assim magérrima, sempre gostei de comer e não era esquisita, apenas acontece que comia pouquíssimo. A comida era óptima, tudo o resto não prestava, incluindo os portugueses ignorantes e os marroquinos ignorantes e o parvo do guia, pensava eu nessa época.
Eis senão quando... Vêm uns tipos com umas serpentes giríssimas. Para nos assustarem, esfregavam o focinho da serpente, se calhar não se diz focinho, talvez a "fácies da serpe" na nossa cara. É claro que ninguém esperava por tal coisa e tudo fugia a sete pés.

Fiquei a observar: as serpentes eram giras. Parecia-me altamente improvável que as deixassem picarem-nos, deixando-nos morrer envenenados após terrível sofrimento, indo nós numa vulgar visita turística, podendo a agência perder todos os fregueses se tal coisa acontecesse.
Com este raciocício, não exactamente frio, mas gelado, se considerarmos geladas e frias as pessoas que usam mais o cérebro do que outro órgão qualquer, aí vou eu. Pedi ao rapaz que me deixasse tirar uma fotografia com a serpente enrolada ao pescoço. O moço pediu ao chefe que, um pouco espantado, lá deixou.
Só muitos meses depois estive quase a desmaiar, ao ver, no Jardim Zoológico de Lisboa, uma serpente quase igual àquela, indicada como venenosamente mortífera.
Confesso que, na ocasião, não perguntei esse tipo de pormenor, apenas senti um "frisson" ao sentir-me envolvida em muitos sítios do corpo ao mesmo tempo por uma sensação macia e morna (nem quente nem gelada) provocada por um animal de sangue frio, numa sufocante noite de Estio, com uma temperatura de quarenta e cinco graus centígrados. Uma noite que estaria estragada irremediavelmente, não fosse este exótico incidente. Ainda guardo na pele a memória exacta dessa sensação, sem semelhança com qualquer outra.
No dia seguinte, perguntaram-me se não tinha andado toda a noite a pé, a procurar serpentes debaixo da cama.
- Não, realmente dormi a noite dum sono, depois daquela viagem cansativa e poeirenta através do deserto.
Tenho uma prima, dona de casa sensata, que me acusa de não ter a noção do perigo. Aqui declaro: não tenho a noção do perigo que costuma ter uma dona de casa sensata.
Cenas dos próximos capítulos: depois se verá (não perca).

terça-feira, março 03, 2009

L'Albatros de Baudelaire

Souvent, pour s'amuser, les hommes d'équipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les gouffres amers.

À peine les ont-ils déposés sur les planches,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traîner à côté d'eux.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule!
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid!
L'un agace son bec avec un brûle-gueule,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait!

Le Poète est semblable au prince des nuées
Qui hante la tempête et se rit de l'archer;
Exilé sur le sol au milieu des huées,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher.
— Charles Baudelaire

A tradução é melhor do que nada e talvez ajude a entender o original. Aí vai

O Albatroz

Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
O navio a singrar por glaucos patamares.

Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
As asas em que fulge um branco imaculado.

Antes tão belo, como é feio na desgraça
Esse viajante agora fl ácido e acanhado!
Um, com cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

O Poeta se compara ao príncipe da altura
Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilado ao chão, em meio à turba obscura,
As asas de gigante impedem-no de andar.

(Como esta tradução é quase literal, encontrei mais do que uma com autorias diferentes e rigorosamente iguais.)

segunda-feira, março 02, 2009

Pelicano (Albatroz?)


Este meu desejo de fotografar aves já é antigo. Mas com as máquinas antigas era mais fácil fotografar pássaros grandes como este. Numa ilha grega, creio que Mikonos. Satisfeitíssimo, à beira de uma das inúmeras capelas dessa ilha.
Creio que um pelicano é um albatroz, ou não?
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