terça-feira, julho 29, 2008

Dacia Maraini

Nunca falei aqui de uma das minhas escritoras favoritas, a italiana Dacia Maraini, que leio no original. Creio que em português só existe um livro dela: A Longa Vida De Mariana Ucria.




Foi o primeiro romance que li em Italiano, sem nunca ter estudado a língua. A princípio percebi mal e no fundo acabei por ler outra história que não aquela. No fim voltei ao princípio e li a história verdadeira.




É um livro realmente fantástico, sobre uma surda-muda que comunica por escrito numa época em que ainda poucas pessoas sabiam escrever. Às vezes com alguma ironia, a autora mostra as possibilidades e os limites da comunicação por escrito, assim como o facto de a indiferença ou distracção se manifestar muito mais desta forma. Aborda muitas outras questões para além desta. É original no verdadeiro sentido da palavra. Acaba também por ser muito actual, pois hoje comunicamos muito por escrito, em frases curtas, como faziam com ela.




Descubro agora com prazer que essa grande escritora tem um forum no qual responde publicamente aos mails que lhe enviam, também publicamente. Não conheço nenhum outro escritor que faça isso...

Ver Aqui

segunda-feira, julho 28, 2008

"A Taberna da Índia"


Ainda a respeito do mesmo assunto, os descobrimentos, li também um livro, esse sim, fantástico inspirado no assunto e chamado "A Taberna da Índia". O autor, António Sarabia, é um escritor espanhol e fala sobretudo de Espanha. Até pelo título se vê ser um livro com estilo: a índia é uma mulher trazida das Américas contra a vontade, índia americana.
Uma das personagens é Cristovão Colombo, regressado das Índias Ocidentais, passeando-se por uma Barcelona que já o ignora.

sábado, julho 26, 2008

Ainda a propósito do romance histórico

Tenho reflectido sobre isto, como se vê no post anterior e em outros.

Creio que evoluí e já entendi alguma coisa. Oiçam.

Há uns anos atrás, falando para pessoas muito jovens, contei a lenda de Pedro e Inês. Tenho jeito para contar histórias e estavam todos enleados no meu discurso.

- E então, segundo dizem, D. Pedro arrancou o coração dos matadores de Inês. A um, arrancou-lhe o coração pela frente, pelo peito, a outro arrancou-lho pelas costas.

Seguiu-se um silêncio. Estava tudo a imaginar isto, enquanto as minhas palavras ressoavam misteriosamente nos ouvidos atentos. De repente uma jovem põe o braço no ar, com o ar mais inocente deste mundo.
- Desculpe, posso fazer uma pergunta?
- Sim.
- Mas antes de arrancar os corações dessa maneira, D. Pedro deu-lhes anestesia geral?

Após as gargalhadas que se seguiram a esta pergunta e por causa delas, creio que demorei muito tempo a compreendê-la.

Compreendo-a agora bem, ao ler romances históricos e ao perguntar a razão por que certos temas e sobretudo certas personagens históricas não servem. É por isto, claro.

Vasco da Gama aprisionou centenas de inofensivos pescadores indianos nas costas da Índia. Devolveu depois a terra os respectivos barcos carregados com o seguinte: as cabeças, as mãos e os pés.

É caso para perguntar: seria o nosso herói um "serial killer", ou ter-lhes-á dado anestesia geral? E distribuido calmantes e anti-depressivos para os familiares e amigos que encontraram estes achados trazidos pelo mar? Os padres da Inquisição, antes de queimarem as pessoas vivas davam-lhes anestesia geral? Então, como entender a sua caridade cristã? Pensavam que era melhor arder aqui na terra do que arder nas penas do Inferno... mas ninguém está preparado para se identificar ou para venerar heróis que, aos olhos modernos, só podem ser comparados aos serial killers e aos filmes "Silêncio dos Inocentes", etc... Espero que vocês entendam o que eu quero dizer, pois frequentemente as pessoas não entendem as minhas ideias.

Os romances históricos nunca mostram estas brutalidades nas personagens que veneram, dado que a nossa mentalidade não entende estas coisas. E os grandes autores, como a Isabel Allende ou a Rosa Mantero fazem questão absoluta de dizer que aquilo que escrevem não é romance histórico. Embora pareça...

Um dos nossos mitos urbanos diz-nos que nunca houve tanta violência como agora. A mim parece-me que nunca houve tão pouca. Nem tão mal aceite, a pouca que há. Refiro-me à realidade propriamente dita.

quinta-feira, julho 24, 2008

Romances sobre os Descobrimentos

Como ando a ler e reler tudo o que diga respeito ao mar e a ver filmes sobre o assunto, etc., encontrei no alfarrabista das Amoreiras o único romance histórico que conheço sobre a época dos Descobrimentos Portugueses. Conheço também um mais recente, de que falei aqui, sobre a viagem de Vasco da Gama, mas esse é quase uma reprodução da relação da mesma viagem, conseguindo ainda ser mais chato. (Ver http://escrevedoirosemaluquices.blogspot.com/search?q=vasco+da+gama)
Este livro explora uma história verídica e de facto estranha, uma das estórias dos Descobrimentos, que devem ter muitas aventuras como esta. Depois da ultrapassagem do Cabo Bojador por Gil Eanes, Nuno Tristão prossegue na exploração da costa até ao Rio Amargo, agora chamado Geba, nas margens do qual é morto pela população autóctone, como vingança por anteriores ataques portugueses. A barca, ou falua, chamada "Dos Irmãos", juntamente com toda a informação referente ao achado, foi então trazida para Portugal por um rapaz de quinze anos chamado Aires. A tripulação era apenas constituida por esse Aires, dois grumetes (muito jovens, portanto), um jovem negro e um marinheiro.
O livro, do escritor alemão Hans Baumann, chama-se "A Falua dos Irmãos". Creio que também poderia ser traduzido por "A Barca dos Irmãos", até porque a tradução é péssima e com vírgulas a mais. Foi publicado em 1960 pela "Empresa Nacional de Publicidade", ligada ao regime Salazarista.
É um livro leve, interessante, não propriamente extraordinário, tem algumas críticas aos portugueses da época e ao Infante D. Henrique, mas é um elogio à exploração do mar e descoberta de novas terras.
É estranho que este e outros filões de estórias da nossa História não estejam ainda a ser explorados... talvez porque os descobridores nos parecem a nós muito sagrados e não sabemos humanizá-los...

sábado, julho 19, 2008

Venda dos meus livros

Várias pessoas me têm dito que procuram o meu livro nas livrarias, mas não o encontram.Recebi um mail do editor, em resposta a um meu de protesto. Está a haver um problema com a distribuidora, que só ficará resolvido em Janeiro, dado que a editora tem um contrato até lá.Depois de ambos protestarmos, encontrei-o hoje na Byblos, onde vou com muita frequência. Não procurei noutros sítios.

quinta-feira, julho 17, 2008

Sem título

Vive-se no Verão para escrever no Inverno.

Se não se vive nunca, talvez se possa escrever sempre.

quarta-feira, julho 16, 2008

Blogue da Andarilha

A Andarilha, também chamada Eliane ou vice-versa, que escreve muitos comentários neste blogue e quase nunca no meu outro, dado que este é mais vocacionado para a poesia e as artes, enquanto o outro se refere sobretudo à realidade que repudia com veemência, dizia eu que a Eliane tem agora também um blogue, ainda incipiente mas giro, que parece ser sobretudo de poesia. Mas às vezes muda-se a meio do percurso. Ver

Notas sobre os Dias

segunda-feira, julho 14, 2008

CEREJAS


Após as flores de cerejeira, tão cantadas pelos poetas, os frutos: uma dádiva.
Não sei de quais gosto mais. A cereja é um dos meus frutos preferidos.
Obrigada....
Obrigada,
Obrigada cerejeira!
Pensei que gostava mais dumas cerejas claras, cor-de rosa, chamadas cerejas brancas, mas estas muito escuras e grandes são fantásticas. Menos bonitas, a meu ver.
Desejo a todos vocês o prazer que estou a sentir a comê-las enquanto escrevo, prazer sazonal. Só comparável ao que senti ao ver as cerejeiras em flor.
O único tempo que existe é o presente.
Ver também http://escrevedoirosemaluquices.blogspot.com/search?q=cerejas
(Ver também as fotos que aqui tenho das cerejeiras em flor. Para isso, clicar nas palavras abaixo, em verde)
Posted by Picasa

quinta-feira, julho 10, 2008

"Embriagai-vos", poema de Baudelaire

Obrigada Eliane, pela tradução do poema em prosa de Baudelaire.
Houve uma época em que as traduções brasileiras eram pésimas e risíveis (para não dizer ridículas), mas quando estive no Brasil constatei que agora há óptimas traduções de poesia. E a Eliane também tem demonstrado isso. Não comprei um livro desses por duas razões: gosto de ler a poesia no original e era demasiado grande, ou seja, pesado. Compro sempre tantos livros...

Vou colocar aqui a tradução que a Eliane pôs em comentário no post anterior e depois o original. São ambos magníficos e têm a particularidade de misturar o moral com o imoral - note-se que foi escrito no século XIX.
Notar também que em português pode ser você, vocês ou vós, dado que o francês "vous" pode ser traduzido destas três maneiras.

Embriague-se

É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão. Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: "É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se; embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser".

Tradução brasileira de Jorge Pontual

Já agora, acrescento o seguinte: este post tem sido procurado por muita gente, por isso dar-lhe-ei, a partir de agora, especial atenção.
Constato que há traduções online de origem portuguesa (quero dizer, de Portugal) em que aparece isto: "é preciso estar-se sempre bêbado". Não me parece que esta tradução seja sequer possível. Bêbado diz-se em francês "soûl". "Ivre" é um termo erudito que poderá traduzir-se por embriagado ou ébrio. Nem Baudelaire utilizaria termos e sentidos pouco poéticos. A poesia actual, muita da qual, a meu ver, não é poesia nem nada semelhante, utiliza de facto expressões vulgares para dizer coisas vulgares. As pessoas que escreveram assim no tempo de Baudelaire não existem hoje como escritores.

ENIVREZ-VOUS
Il faut être toujours ivre, tout est là ; c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve. Mais de quoi? De vin, de poésie, ou de vertu à votre guise, mais enivrez-vous! Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge; à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est. Et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront, il est l'heure de s'enivrer ; pour ne pas être les esclaves martyrisés du temps, enivrez-vous, enivrez-vous sans cesse de vin, de poésie, de vertu, à votre guise.

N.B: este blogue tem outros poemas de BAudelaire, como "L'Albatros". Clicar em Baudelaire, abaixo, ou procurar no motor de busca, lá em cima.



Charles Baudelaire (1821- 1867)

terça-feira, julho 08, 2008

Enivrez-vous

Ao pensar numa frase, citação favorita que pedem para colocar no hi5, lembrei-me de uma das minhas favoritas e que se calhar já citei aqui anteriormente. É de Baudelaire.

"Ennivrez-vous. Enivrez-vous sans cesse. De vin, de poésie ou de vertu, à votre guise"

A Eliane vai ver num livro em que há traduções muito boas e espero que traduza isto aqui:
qualquer coisa como:

"Embriagai-vos. Embriagai-vos sem cessar. De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira."

in "Petits poèmes en prose"

quarta-feira, julho 02, 2008

Ainda o "Romance do Gengi"

A pedido da Eliane, escrevo mais sobre o "Romance do Gengi" de Murasaki Shikibu.

As pessoas começam a usar o seu nome verdadeiro nos comentários que fazem neste blogue. O meu também anda por aí, confesso que não é Nádia.

O nome Nádia agrada-me por o seu diminutivo ser Nadinha. Como sou niilista...


A grande diferença do Gengi (personagem principal do livro) é ser demasiado belo (curiosamente no meu livro também há uma personagem demasiado bela, a Eugénia), ser bom na dança e na música, na poesia de pequenos poemas que todos os cortesãos faziam (Haiku, creio que o plural é Haikai) e nas relações amorosas que mantinha com numerosas mulheres, nunca as abandonando completamente.


Isto faz-me pensar naquilo em que sempre pensei: nos países em que um homem pode ter várias esposas, deve ser considerado normal um homem amar várias mulheres... nem refiro a situação inversa de uma mulher amar várias pessoas, mas parece-me ir dar ao mesmo.

E nós não considerarmos normal que uma pessoa ame várias, será normal? No caso de Gengi, os homens também se sentem fisicamente atraídos por ele (todos) e no fundo também o amam.
Exemplo: o seu sogro, quando a filha morre, lamenta assim a futura ausência do Gengi da sua casa, onde nunca tinha vivido, de resto: "Quando bastava que ele se ausentasse um ou dois dias para me desesperar, como poderei continuar a viver neste mundo se me vir privado da luz que era a minha alegria dia e noite?"


Este livro surpreende-me pela sua actualidade e pela actualidade das questões que pode levantar. No relacionamento entre seres humanos, no modo como podemos ser sensíveis e viver para as artes, no modo como podem ser artísticas as relações humanas...
Ainda no caso da homossexualidade ou mesmo da bissexualidade, parece-nos normal só amar uma pessoa...


O que é isso de amar?
Hoje em dia fala-se do amor universal. Comparado com isso, como é coisa pequena o amor entre duas pessoas. E talvez muito bela por isso mesmo... ou não...