Obrigada Eliane, pela tradução do poema em prosa de Baudelaire.
Houve uma época em que as traduções brasileiras eram pésimas e risíveis (para não dizer ridículas), mas quando estive no Brasil constatei que agora há óptimas traduções de poesia. E a Eliane também tem demonstrado isso. Não comprei um livro desses por duas razões: gosto de ler a poesia no original e era demasiado grande, ou seja, pesado. Compro sempre tantos livros...
Vou colocar aqui a tradução que a Eliane pôs em comentário no post anterior e depois o original. São ambos magníficos e têm a particularidade de misturar o moral com o imoral - note-se que foi escrito no século XIX.
Notar também que em português pode ser você, vocês ou vós, dado que o francês "vous" pode ser traduzido destas três maneiras.
Embriague-se
É preciso estar sempre embriagado. Isso é tudo: é a única questão. Para não sentir o horrível fardo do Tempo que lhe quebra os ombros e o curva para o chão, é preciso embriagar-se sem perdão. Mas de que? De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser. Mas embriague-se.E se às vezes, nos degraus de um palácio, na grama verde de um fosso, na solidão triste do seu quarto, você acorda, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, pergunte ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio,
a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, pergunte que horas são e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio lhe responderão: "É hora de embriagar-se! Para não ser o escravo mártir do Tempo, embriague-se;
embriague-se sem parar! De vinho, de poesia ou de virtude, como quiser".
Tradução brasileira de Jorge Pontual
Já agora, acrescento o seguinte: este post tem sido procurado por muita gente, por isso dar-lhe-ei, a partir de agora, especial atenção.
Constato que há traduções online de origem portuguesa (quero dizer, de Portugal) em que aparece isto: "é preciso estar-se sempre bêbado". Não me parece que esta tradução seja sequer possível. Bêbado diz-se em francês "soûl". "Ivre" é um termo erudito que poderá traduzir-se por embriagado ou ébrio. Nem Baudelaire utilizaria termos e sentidos pouco poéticos. A poesia actual, muita da qual, a meu ver, não é poesia nem nada semelhante, utiliza de facto expressões vulgares para dizer coisas vulgares. As pessoas que escreveram assim no tempo de Baudelaire não existem hoje como escritores.
ENIVREZ-VOUS
Il faut être toujours ivre, tout est là ; c'est l'unique question. Pour ne pas sentir l'horrible fardeau du temps qui brise vos épaules et vous penche vers la terre, il faut vous enivrer sans trêve. Mais de quoi? De vin, de poésie, ou de vertu à votre guise, mais enivrez-vous!
Et si quelquefois, sur les marches d'un palais, sur l'herbe verte d'un fossé, vous vous réveillez, l'ivresse déjà diminuée ou disparue, demandez au vent, à la vague, à l'étoile, à l'oiseau, à l'horloge; à tout ce qui fuit, à tout ce qui gémit, à tout ce qui roule, à tout ce qui chante, à tout ce qui parle, demandez quelle heure il est. Et le vent, la vague, l'étoile, l'oiseau, l'horloge, vous répondront, il est l'heure de s'enivrer ; pour ne pas être les esclaves martyrisés du temps,
enivrez-vous, enivrez-vous sans cesse de vin, de poésie, de vertu, à votre guise.
N.B: este blogue tem outros poemas de BAudelaire, como "L'Albatros". Clicar em Baudelaire, abaixo, ou procurar no motor de busca, lá em cima.
Charles Baudelaire (1821- 1867)