Tenho uma amiga que teve um cancro considerado muito grave, quando era muito jovem e muito bela.
Asseverou-me logo que já tinha decidido não morrer daquilo.
Embora seja bastante mais nova do que eu, aprendi com ela muitas coisas boas (as únicas que vale a pena aprender) e espero que ela também tenha aprendido comigo algo que lhe tenha agradado. (Ensinar algo de desagradável é fácil, inútil e desnecessário, tal como profetizar um futuro negro, pois há sempre um momento em que tudo isso nos parece verdade. Basta estarmos deprimidos.)
A minha amiga quis ser fotografada em todos os momentos da doença, por lhe parecer que se tratava de fases e portanto, passageiras. Quis ser fotografada sem cabelo.
Falando comigo, nessa altura, à frente de várias pessoas que a conheciam, tirou o lenço. Só depois de ter perguntado se eu me sentia preparada para a ver sem cabelo. Todos olharam para o lado oposto, até que eu exclamei, a rir e muito alto:
- Estás giríssima. Pareces um monge budista!
Emendei logo: "Uma monja budista, quero eu dizer". De facto, associamos a feminilidade a coisas como o cabelo, mas eu penso que não deveríamos usar cabelo, como os antigos egípcios não usavam, por lhes parecer inestético e pouco higiénico. O cabelo é uma coisa desnecessária e que se suja muito, digo eu.
Fixei isto: quis ser fotografada sem cabelo e muito menos bela do que era antes e do que é agora. Contrariando a civilização da imagem, em que todos devemos ser agora convencionalmente apresentáveis, ou seja, convencionalmente giros, agora, no mínimo e ainda de acordo com os padrões de beleza ou de civilidade.
Obrigada, Marina. Apeteceu-me contar isto a todo o mundo e aqui vai. Urbi et Orbi.
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