Atika Elaji
Tenho tentado, por razões narrativas e estéticas, situar os acontecimentos desta viagem nas cidades e no tempo. Contudo, recordo particularmente o que se passou em Marrakech, talvez por ter ficado sozinha nessa cidade, ou, como dizem os americanos, avessos ao dramatismo, "by myself", ou seja, por mim mesma. Fiquei lá por mim mesma e portanto experienciei mais por mim mesma.
Um dia esqueci-me da chave do quarto dentro do quarto e disseram-me que batesse à porta porque estava lá a rapariga das limpezas.
A Elaji Atika, uma jovem muito bonita, abriu-me a porta e ficou muito tempo banzada a olhar para mim sem falar, mas com vontade de rir, como se tivesse visto um ET.
Resolvi falar com ela. Perguntou-me por que razão eu não tinha muitos embrulhos (em papel pardo, nem havia plásticos em Marrocos, isto foi há cerca de 20 anos) com muitos pratos de cobre e muitas bandejas de cobre e muitas coisas assim, como os outros turistas.
Respondi que não gosto de andar carregada e que também não gosto de ter muitas coisas inúteis. - Para que quero eu muitos embrulhos com muitos pratos de cobre e muitas bandejas de cobre e muitas coisas assim? - disse eu rindo. Ela falava francês muito bem e também se ria alegremente.
A seguir mostrou-se muito interessada pela cor da minha pele e quis ver tudo. Com razão: eu levava o braço direito castanho de ter ido no lugar do morto da furgoneta com o braço de fora da janela, o resto um pouco avermelhado do sol porque tínhamos tomado banho numa piscina durante o almoço, num restaurante para turistas em pleno deserto. Este momento de plenitude só será talvez ultrapassado quando eu tomar banho de noite, no mar ou no rio, debaixo de chuva torrencial, nos trópicos ou no equador. Alheia a estas sensações, mas notando as "discrepâncias", A Atika fez questão de ver a parte que não estava queimada pelo sol africano.
A propósito: só havia uma única estrada numa imensa planura castanha, vermelha e seca, mas, as poucas vezes que apareciam pessoas na berma, o motorista-guia fingia atirar a carrinha para cima delas, obrigando-as a fugir a sete pés. É assim que se vê quem manda!
Finalmente, a Atika acabou por me explicar que Alá quer dizer Deus em francês e que, portanto, o Deus dos católicos é Alá e Cristo também é Alá.
Fiquei muito mais descansada com esta explicação, claro, e durante vários anos trocámos correspondência. Ela dizia que se sentia muito orgulhosa por ter uma amiga francesa e convidava-me para ir com ela e com a família a uma festa especial, nas montanhas desérticas perto de Marrakech, ficando eu hospedada, desta vez, em casa dela, do pai e das duas esposas do pai, sendo uma delas a sua mãe.
Nunca cheguei a ir e acabámos a correspondência quando, na primeira guerra do golfo, foi anunciado que poderia haver ou vir a haver mísseis intercontinentais em Marrocos, apontados a Portugal.
Sabendo que o seu país não é uma democracia, achei que era melhor não lhe escrever para não lhe causar problemas.
Entretanto mudei de terra e de casa e ela, provavelmente também...
Ainda guardo as cartas que ela me escreveu, como gosto de guardar outras, dentro dum saco que fez outrora parte dos poucas coisas que levava quando mudava de casa e guardo mesmo só na memória a frase com que ela finalizava todas as missivas que me escrevia (traduzido do francês): - Desejo-lhe uma longa e feliz vida.
Por que razão dizemos nós feliz ano de 2009? Ou boas férias, ou bom fim-de-semana?
Poque só desejamos um nadinha de nada? E porque não:
Desejo-lhe uma longa vida e feliz.
A todos os que me lêem, é isso que desejo. Claro, como tenciono continuar a escrever, espero que vocês continuem a viver e a vir aqui. Desejo-vos a todos então, por oportunismo puro,
Uma longa vida e muito feliz!
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