Enterrei por debaixo da laranjeira grande os poemas que escrevi pensando no prazer de comer laranjas. De as beber, escorrendo o sumo pelos meus braços, pela minha pele, misturado com o sol desta terra. Entrando na minha boca, tão suave e tão doce, espalhando-se pelo meu corpo com o afago do mel e do sol.
Para adubar as próximas laranjas, que trarão já em si o sabor da poesia.
Enterrei-os, escondi-os, porque não é permitido escrever sobre o prazer.
Todos os escritos sérios deveriam falar sobre o sofrimento, sobre as coisas sérias, filosóficas, ou sobre o amor infeliz ou sobre o desejo de fugir.
Mas eu nunca soube escrever sobre a dor. Ainda que tivesse a boca cheia de terra, nunca confessaria que os deuses me conseguem fazer sofrer. Nem a terra. Nem os homens.
Havia um rei, lá muito longe, nessa distante Europa onde nasci, que entretinha uma orquestra privativa e que tinha um grande lago, no enorme palácio. E músicos grandiosos, viajados, cultos e infelizes, que escreviam só para ele.
Enquanto à noite, nas belas noites quentes da lua cheia, o rei vogava no seu lago, conduzido pelos barqueiros dum belo e luxuoso barco, que porém mal se via na escuridão, a orquestra tocava, na terra parada e imóvel, as músicas que só para ele tinham criado os músicos infelizes. Os compositores, que haviam vagueado pelas florestas ignotas, traziam só para ele o fruto dos vários cantos da terra, imitando os pássaros, imitando os primitivos cantores, imitando o vento quando passa nos rochedos das montanhas ou do mar, imitando o rugido tremendo ou pacífico dos oceanos. Filtrado pelas filosofias, pelas mística e pelas dores, filosofias, místicas e dores que haviam sofrido com igual paciência, para sacrificarem as suas vidas à arte.
E enquanto o rei vogava no seu navio nas suas águas, a orquestra, na terra imóvel, plangia o sofrimento e a beleza que os artistas tinham colhido, algures, pela terra imensa.
Eu, aqui neste deserto, escrevo. Eu sou o meu barco, o meu mar e a minha terra. E a minha música e o meu rei. E componho para mim, sem testemunhas. Sem desculpas.
Posso navegar por todos os mares, rios e lagos que percorrem a terra. E procurar o prazer de todos as presenças. E dizê-lo.
Só a beleza às vezes dói. Por fazer pensar que não é tudo dem
* Flor de laranjeira, em espanhol de origem árabe
Autora deste texto: Graciete Nobre
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