terça-feira, maio 31, 2011

Prazeres

O nosso corpo e o nosso espírito são a fonte de inúmeros prazeres.
É para os sentir que vale a pena viver!

domingo, maio 29, 2011

Texto de Sophia - o meu favorito

Sophia inventou este texto para explicar à empregada o caminho desde a sua casa de férias, em Lagos, até ao mercado. Tenho uma amiga que foi amiga da poetisa e que acha decepcionante ver lugares tão banais, que percorreram juntas várias vezes, descritos desta maneira... por não ter visto nada disto quando por lá passou :)




Caminho da manhã



"Vais pela estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas; mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o branco de cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não são pretos mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol. Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.Lá dentro ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível." 

Sophia de Mello Breyner in Livro Sexto

segunda-feira, maio 23, 2011

Para a minha irmã mais velha





Que ama os jacarandás. Volto lá, para tirar mais fotos.

sábado, maio 21, 2011

Chanson d’Automne

Chanson d’Automne

LES sanglots longs
Des violons
De l’automne
Blessent mon cœur
D’une langueur
Monotone.

Tout suffocant
Et blême, quand
Sonne l’heure,
Je me souviens
Des jours anciens
Et je pleure;

Et je m’en vais
Au vent mauvais
Qui m’emporte
Deçà, delà,
Pareil à la
Feuille morte.

Paul Verlaine 






A musicalidade deste poema torna-o impossível de traduzir. Vou apresentar uma versão e o link para um blogue onde há mais duas.


CANÇÃO DO OUTONO

Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.

Verlaine
Tradução: Onestaldo de Pennafort



Há outras traduções in Blogue O Jardim Alheio




Este é um poema simbolista, em que a musicalidade e o símbolo foram intencionalmente procurados.

sábado, maio 14, 2011

Azahar *

Estendida na terra debaixo das laranjeiras em flor, sentindo o delicioso aroma do azahar, aliado aos miríficos odores da alfazema, do jasmim e do basilisco, estou aqui longe de tudo. Do mundo distante, sem parentes, sem amigos que me vejam e com quem possa falar às vezes. E é por isso que escrevo e também é por isso que planto e que semeio este jardim. Um jardim - pomar que inventei, nesta terra tropical, de laranjeiras e ervas aromáticas. As árvores e as ervas cresceram mais depressa e estão bem maiores e são muitas mais do que os meus textos, poemas, contos, biografias, histórias... cartas. 

Enterrei por debaixo da laranjeira grande os poemas que escrevi pensando no prazer de comer laranjas. De as beber, escorrendo o sumo pelos meus braços, pela minha pele, misturado com o sol desta terra. Entrando na minha boca, tão suave e tão doce, espalhando-se pelo meu corpo com o afago do mel e do sol. 

Para adubar as próximas laranjas, que trarão já em si o sabor da poesia.
Enterrei-os, escondi-os, porque não é permitido escrever sobre o prazer.

Todos os escritos sérios deveriam falar sobre o sofrimento, sobre as coisas sérias, filosóficas, ou sobre o amor infeliz ou sobre o desejo de fugir.
Mas eu nunca soube escrever sobre a dor. Ainda que tivesse a boca cheia de terra, nunca confessaria que os deuses me conseguem fazer sofrer. Nem a terra. Nem os homens.

Havia um rei, lá muito longe, nessa distante Europa onde nasci, que entretinha uma orquestra privativa e que tinha um grande lago, no enorme palácio. E músicos grandiosos, viajados, cultos e infelizes, que escreviam só para ele.

Enquanto à noite, nas belas noites quentes da lua cheia, o rei vogava no seu lago, conduzido pelos barqueiros dum belo e luxuoso barco, que porém mal se via na escuridão, a orquestra tocava, na terra parada e imóvel, as músicas que só para ele tinham criado os músicos infelizes. Os compositores, que haviam vagueado pelas florestas ignotas, traziam só para ele o fruto dos vários cantos da terra, imitando os pássaros, imitando os primitivos cantores, imitando o vento quando passa nos rochedos das montanhas ou do mar, imitando o rugido tremendo ou pacífico dos oceanos. Filtrado pelas filosofias, pelas mística e pelas dores, filosofias, místicas e dores que haviam sofrido com igual paciência, para sacrificarem as suas vidas à arte.










E enquanto o rei vogava no seu navio nas suas águas, a orquestra, na terra imóvel, plangia o sofrimento e a beleza que os artistas tinham colhido, algures, pela terra imensa.

Eu, aqui neste deserto, escrevo. Eu sou o meu barco, o meu mar e a minha terra. E a minha música e o meu rei. E componho para mim, sem testemunhas. Sem desculpas.

Posso navegar por todos os mares, rios e lagos que percorrem a terra. E procurar o prazer de todos as presenças. E dizê-lo.

Os meus poemas e as minhas flores, as minhas laranjas que bebi nas noites quentes de luar, são a pérola que envolve de suavidade a dor da minha alma peregrina. Não há sofrimento para contar. Nunca houve. 

Só a beleza às vezes dói. Por fazer pensar que não é tudo dem
asiado belo.

(E mais ninguém, a não ser eu e as minhas laranjeiras e as minhas flores de azahar e de basilisco poderá comer os frutos doces e as sementes dos meus poemas. De mim que fui dotada, por meu azar, do dom da escrita, que nunca me dá sossego e me afasta de todos. De tudo. Só me aproxima do universo, lá longe... e da luz.)


* Flor de laranjeira, em espanhol de origem árabe 


Autora deste texto: Graciete Nobre 

domingo, maio 08, 2011

Para todos os que amam os grandes oceanos e o hipnótico balançar dos seus navios-berços.



Para todos os que amam os grandes oceanos e o hipnótico balançar dos seus navios-berços.


LES BERCEAUX Música de Gabriel Fauré, poema de Sully Pudhomme


Poema "les Berceaux"
Le long du quai, les grands vaisseaux
Que la houle incline en silence
Ne prennent pas garde aux berceaux
Que la main des femmes balance.

Mais viendra le jour des adieux,
Car il faut que les femmes pleurent,
Et que les hommes curieux
Tentent les horizons qui leurrent.

Et ce jour-là, les grands vaisseaux
Fuyant le port qui diminue,
Sentent leur masse retenue
Par l'âme des lointains berceaux
Par l'âme des lointains berceaux.

sexta-feira, maio 06, 2011

Imagens especulares. Sempre boas!

Tenho uma amiga que teve um cancro considerado muito grave, quando era muito jovem e muito bela.
Asseverou-me logo que já tinha decidido não morrer daquilo. 
Embora seja bastante mais nova do que eu, aprendi com ela muitas coisas boas (as únicas que vale a pena aprender) e espero que ela também tenha aprendido comigo algo que lhe tenha agradado. (Ensinar algo de desagradável é fácil, inútil e desnecessário, tal como profetizar um futuro negro, pois há sempre um momento em que tudo isso nos parece verdade. Basta estarmos deprimidos.)

A minha amiga quis ser fotografada em todos os momentos da doença, por lhe parecer que se tratava de fases e portanto, passageiras. Quis ser fotografada sem cabelo. 
Falando comigo, nessa altura, à frente de várias pessoas que a  conheciam, tirou o lenço. Só depois de ter perguntado se eu me sentia preparada para a ver sem cabelo. Todos olharam para o lado oposto, até que eu exclamei, a rir e muito alto:
- Estás giríssima. Pareces um monge budista!
Emendei logo: "Uma monja budista, quero eu dizer". De facto, associamos a feminilidade a coisas como o cabelo, mas eu penso que não deveríamos usar cabelo, como os antigos egípcios não usavam, por lhes parecer inestético e pouco higiénico. O cabelo é uma coisa desnecessária e que se suja muito, digo eu.

Fixei isto: quis ser fotografada sem cabelo e muito menos bela do que era antes e do que é agora. Contrariando a civilização da imagem, em que todos devemos ser agora convencionalmente apresentáveis, ou seja, convencionalmente giros, agora, no mínimo e ainda de acordo com os padrões de beleza ou de civilidade.

Obrigada, Marina. Apeteceu-me contar isto a todo o mundo e aqui vai. Urbi et Orbi.