Estava eu num restaurante quase vazio, ao balcão, sossegada e tranquila, quando observo um casal não muito novo, mas muito entusiasmado e muito feliz.
Disfarcei, claro, apenas o suficiente para ver que toda aquela agitação se devia a terem pedido uma fruta tropical, que há uns anos era rara, creio que era manga.
Ao ver que estava a olhar para eles, o homem perguntou-me se eu queria um bocadinho e a mulher insistiu. Percebi logo que aquele era um momento especial e aceitei, claro. O empregado do restaurante partiu então a fruta em três, colocou-a em três pratinhos e assim mesmo onde estávamos, longe eu deles, comungámos da manga com deleite.
Porque ele começou logo a contar:
- Era no tempo da guerra colonial em Angola. Andávamos nós há vários dias sem comer e quase sem beber, na torreira do sol, estafados, esfalfados, mortos…
E eis senão quando… vemos uma árvore carregadinha de frutas maduras e suculentas, que era comer e beber ao mesmo tempo, Senhor do Céu!
É claro que trepámos todos à árvore, sem pensar em mais nada. Imaginem vocês este sabor, este mesmo, exactamente, este suminho a escorrer-nos pela cara e pelo queixo…
Eu e a outra senhora já tínhamos o sumo de manga a escorre-nos pelos cotovelos e pelo pescoço, esquecidas de que estávamos num local público e de que nem nos conhecíamos e nunca nos tínhamos visto antes, mas… eis senão quando…
- E de repente aparece o inimigo e desata às rajadas de metralhadora. Alguns caíram logo mortos, mas eu, a mim só me apetecia continuar ali, dependurado da árvore e a comer o fruto doce, mesmo que no momento após esse devesse ali cair! (como dizia... quem?!)
Eu e a outra mulher ficámos de repente o olhar uma para a outra, assustadas, com vontade de fugirmos ambas para debaixo da mesa, ainda com a manga a escorrer-nos pelo queixo…
Afinal, quem é o inimigo?
O meu gostar de algumas frutas tropicais tem a ver com esta história, aquele prazer efémero, recuperado de um tempo que nunca foi o meu.